Maristela Afonso de André
São Paulo, fevereiro de 2012
Este artigo oferece o relato de casos de clientes de psicoterapia por constelações sistêmicas familiares, focando questões pessoais cuja origem envolvia o aceitação da maternidade ou a condição de filha e de mãe. Foram realizados no período 2006-2010. Os cinco primeiros foram facilitados pela autora deste artigo e o sexto caso pela psicóloga e consteladora Flora Chitose Goto. Os casos evidenciam dinâmicas sistêmicas geradoras de apegos inconscientes à morte, a medos e a mágoas. Os frutos da terapia fortaleceram as clientes, seus pais e irmãs. As clientes puderam, em nome dos familiares, realizar a aceitação de destinos dolorosos, a gratidão pela vida, o resgate da alegria, da amorosidade e da compaixão.
I) LIBERANDO A MÃE IDOSA DO RESSENTIMENTO DE SUA FILHA
N se queixava de ser um suplicio para ela a tarefa de cuidar da mãe, idosa e muito doente. Sentia-se cronicamente ressentida e magoada com a mãe. N entendia que a mãe nunca a amara, nem sequer a via, desde criança.
O diagnóstico por Constelação Sistêmica Familiar, evidenciou que a mãe sentia amor pela filha e que não temia a morte, sentia-se cansada de viver. N manifestava sentimentos contraditórios: por um lado dizia “mãe, não vá, preciso de você “ e de outro “eu sempre quis ter outra mãe, só sinto mágoa de você”. É importante ressaltar que N sentia o pai como um apoio afetivo.
A terapia revelou duas questões sistêmicas, na origem das dificuldades de N com a mãe: a gravidez de N fora de risco de vida para a mãe, que a sustentara mesmo assim, mas tivera dificuldades em assumir plenamente a maternidade dessa filha.
Além disso, o vinculo do casal de pais de N era frágil. O pai tivera um primeiro casamento, rompido pela morte da esposa e ele não conseguira assumir plenamente a segunda, mãe de N. Não assumira o luto e se apegara à filha, projetando nela a memória afetiva da esposa perdida. Isso sempre confundira a filha, resultando em dificuldades em assumir sua condição de filha e de respeitar a mãe.
A terapia promoveu cerimônias de resgate do amor incondicional que permeava o sistema familiar. O pai despediu-se da primeira esposa, liberou a filha do apego inconsciente e a assumiu como filha, assumiu a mãe de N como esposa, e lhe agradeceu pelo matrimonio e pela filha.
O coração de N se abriu para compreender as dores da mãe, perceber sua força de mãe e lhe agradecer pela vida que dela recebeu.
Após essa etapa, N entrou em contato com sentimentos confusos de competição com a mãe pelo amor do pai. Liberou-se, ao deixar com o pai a dor da perda da primeira esposa com a qual estivera identificada, ao aceitar a mãe como a esposa do pai e ao sentir-se como a grata filha do casal. O amor voltou a fluir entre filha e mãe.
II) O AMOR DA MÃE PELA FILHA, RESGATADO PELA AVÓ: UM CASO DE ADOÇÃO
A jovem (E) sofria com o desamor de sua mãe, que sentia como distante, ausente. Foi necessário um tempo de terapia para que ela conseguisse admitir a dor, inicialmente dizia querer apenas ajudar a melhoria do relacionamento entre a mãe e uma irmã.
Na terapia por Constelação Familiar foi observado que a mãe de E não se sentira amada por sua própria mãe, avó de E. Embora a mãe de E tivesse traços de raça branca, sua mãe era negra, e a entregara para adoção, a uma família de raça branca, por dificuldades econômicas em criar os muitos filhos.
Verificou-se haver um forte vinculo amoroso entre a jovem E e sua avó natural, negra. Na terapia foi feito o fortalecimento da avó pelos seus ancestrais africanos e também foi realizada uma cerimônia de gratidão mútua entre a avó natural de E, e a avó adotiva, que havia criado a mãe de E. Verificou-se que ambas amavam a filha e a neta E.
Durante a terapia por constelações, ainda que a mãe de E continuasse rejeitando sua mãe negra, a jovem E sentiu-se fortalecida pelo amor conjunto da avó natural, negra, e da avó adotiva branca.
Dois meses após a realização da constelação, a cliente E trouxe o testemunho de que o relacionamento dela com sua mãe havia se transformado, passara a ser de grande afetividade, até então desconhecida pela filha. O pai de E testemunhou que a esposa se tornara muito mais amorosa com ele também. Através da terapia por constelações sistêmicas, mobilizada por uma filha, deu-se de uma cura amorosa que repercutiu na geração de seus pais.
III) ASSUMINDO A VIDA E LIBERANDO O MEDO, VINDO DA MORTE PRECOCE DA MÃE
O amor de alguém por sua mãe pode limitar e mesmo adoecer uma pessoa? Sim, é o constatou Bert Hellinger. Pessoas que se identificam com o destino difícil de seus pais, irmãos ou avós podem ser atraídos pela morte, adoecer e limitar sua capacidade de uma vida plena.
Uma senhora, de 60 anos trouxe como problema para a terapia seu grande desejo de aprender a nadar. Desde criança tinha desejo de nadar e muito medo de afogar-se na água. Indagada sobre sua mãe, dizia inicialmente que é como se ela nunca tivesse existido e que não lhe fazia falta, tinha sido criada por uma tia amorosa, sua mãe morrera quando ela tinha três anos.
No processo da constelação sistêmica familiar a senhora reviveu a menininha com seu amor infantil carregado de ressentimentos por se sentir abandonada e uma profunda dor pela falta da mãe. Percebeu, então, que no medo de afogar-se estavam sentimentos confusos, contraditórios: o desejo de morrer para estar junto com a mãe o medo de morrer cedo, como ela.
Na terapia, ela conseguiu aceitar o destino que as separou, sentir o valor da vida que recebeu da mãe e seu o amor pela filha. Agradeceu também o amor da tia que a criou. Sentiu-se fortalecida, com o coração preenchido.
Em algumas semanas, o medo de afogar-se foi cedendo e dando lugar ao prazer, tão sonhado, de nadar. Suas palavras: “80% das minhas dificuldades com a água terminaram”.
IV) O RESGATE DO AMOR DA MÃE, RECONCILIANDO IRMÃS
A senhora A, de cerca de 70 anos, sofria com o difícil relacionamento que sempre tivera com sua irmã mais nova, B, que a rejeitava. Era sua única irmã.
A sentia falta desse amor, ainda mais após a morte da mãe de ambas.
No processo terapêutico por constelações sistêmicas familiares, verificou-se que B se sentia isolada da família. Tinha um sentimento de exclusão cuja origem vinha do fato de que a mãe de ambas estava aprisionada na dor, desde que perdera o único filho homem, com seis anos de idade. Desde esse dia, o desejo da mãe era seguir o filho na morte, isolando-se do marido, limitando sua afetividade por com A e se tornando incapaz de acolher B, a mais nova, nascida depois da morte do filho.
Para que o relacionamento das irmãs florescesse foi importante que a mãe aceitasse o destino do filho e voltasse a assumir sua vida. Isso foi possível, quando a mãe se compadeceu da dor e da perplexidade da filha A, que se sentia presa pelo afeto dominador do pai, através do qual ele inconscientemente se compensava da falta do afeto da esposa.
Com a abertura do coração da esposa e mãe, o casal se recompôs e, então, B pode ser reconhecida e amada pelo pai e pela mãe. B passou a aceitar A como sua irmã mais velha, o processo se concluiu com no abraço carinhoso entre as irmãs.
V) O DESEJO DA MATERNIDADE FORTALECENDO O AMOR CONJUGAL
A senhora K, de 38 anos, mostrava amargura por seu casamento “meu marido não me vê”. O casal decidira pelo aborto da primeira gravidez, tivera dois filhos e a seguir um aborto espontâneo.
Na terapia por constelações familiares foi identificada a desmotivação dela pela maternidade: “sempre tive dúvidas em ter filhos”.
Ouvira sempre sua mãe dizendo: “É bobagem ter filhos”. A avó materna de K morrera no sexto parto, sua filha tinha dois anos, perdera anteriormente uma criança de meses. Essa avó, a bisavó e a tataravó eram todas desmotivadas pela maternidade. A terapia evidenciou um forte vínculo afetivo entre a cliente e a tataravó. A força materna da tataravó foi reativada e então o amor materno das gerações seguintes desabrochou.
K passou a reconhecer que guardava profunda dor por sentir que sua mãe não a desejara. Manifestou essa dor e sua mãe conseguiu acolhe-la nos braços.
K se deu conta de que um sentimento de desvalia e de culpa a haviam impedido de assumir o casamento. O marido mostrou-se compreensivo, reafirmou o desejo de tê-la por esposa, admitiu sua co-responsabilidade pelos abortos e se dispôs a resgatar, junto com ela, a memória dos dois filhos abortados. O casal assumiu a responsabilidade pelos abortos e reintegrou os filhos à memória familiar.
A senhora K, agora fortalecida, nos disse: “agora quero ser apreciada por meu marido”.
VI) LIBERANDO O MEDO DE ENGRAVIDAR E PROPICIANDO A CONCEPÇÃO
Facilitadora: Flora C. Goto, 2008
C, de 36 anos, queria ser mãe, mas temia muito a gravidez, sem saber o porquê, era casada e não conseguia engravidar. Durante seu processo psicoterapêutico foi sugerido que verificasse a ocorrência de eventos traumáticos na família e como a resposta foi positiva, a terapia por constelações sistêmicas lhe foi sugerida.
A bisavó materna de C morrera de parto. Com esta informação, foi realizada uma terapia por constelações familiares e foi avaliada a influência do fato no seu medo de engravidar.
Embora C não tivesse convivido com a bisavó, pensava nela com carinho, sentia-se amada por ela e comovida com sua morte trágica. Desejava inconscientemente estar com a bisavó e ao mesmo tempo tinha um medo enorme de morrer, como ela. C pode manifestar reverência à memória e ao destino da bisavó. Assumiu que era dela, não seu, aquele destino trágico. C invocou a bisavó, pediu que a abençoasse para que fosse bem sucedida como mãe, podendo superar os riscos da gravidez e criar seus filhos.
Meses depois C engravidou e é a feliz mãe de uma menina.
Consteladora Sistêmica Familiar (IAG-Int.Arbeits.System.Losungen B. Hellinger, Germany, em 2004), Especialização com Bert Hellinger (2010), Consteladora Organizacional e de Coach Sistêmico (Hoffman & Partners e Infosyon, Germany, em 2008). Pós graduada em Psicologia Transpessoal (CESBLU/ALUBRAT), mestrado em Economia (PUC/RJ), Graduada em Engenharia. Formada em Psicodrama, Bio Energética, DEP-Dinamica Energética do Psiquismo, Instituto Rio Abierto Internacional.
Foi servidora pública federal, atuou como pesquisadora social, docente da ENAP-Escola Nacional de Administração Publica, dirigente e assessora de diretoria do IBGE e de outros órgãos de governo federal, de secretários de governo estaduais e municipais.